O anjo Damiel (Bruno Ganz) fala como está cansado de sua condição de ser apenas um espírito e não poder vivenciar as coisas que vê. Roteiro: Wim Wenders, Peter Handke e Richard Reitinger.
Damiel – É ótimo ser espírito e testemunhar por toda a eternidade apenas o lado espiritual das pessoas. Mas, às vezes, me canso dessa existência espiritual. Em vez de pairar para sempre, eu queria sentir um certo peso que ponha fim a falta de limite e me prenda ao chão. Eu gostaria de poder dizer “agora” a cada passo, a cada rajada de vento. “Agora” e “agora” e não mais “para sempre” e “eternamente”. Sentar-me numa mesa de jogos sem dinheiro, ser cumprimentado. Toda vez que participamos foi apenas fingimento. Lutamos com alguém e fingimos deslocar o quadril. Fingimos pegar um peixe. Fingimos sentar nas mesas, beber e comer. Fingimos ter cordeiros assados e vinhos servidos nas tendas do deserto. Não, não preciso ter um filho ou plantar uma árvore, mas seria bom voltar para casa após um longo dia e dar comida ao gato, como Philip Marlowe. Ter febre, dedos pretos por causa do jornal. Não vibrar apenas pelo espírito, mas por uma boa refeição, pelos contornos de uma nuca, de uma orelha. Mentir…descaradamente. Sentir os ossos se movendo enquanto caminha. Supor em vez de saber sempre. Poder dizer “ah”, “oh”, “ei”, em vez de “sim”e “amém”.